Speed 10 marchas: as famosas nacionais

Desde fins do século XIX, quando a bicicleta assumiu a forma que conhecemos até hoje, os modelos específicos de competição iniciaram um longo e constante caminho de aperfeiçoamento. O objetivo? Simples: ser mais rápido.
Logo popularizaram-se pela Europa os "Velódromos", redutos específicos para as primeiras corridas.

Desprovidas de supérfluos que acrescentavam peso, como para lamas, bagageiros, cobre corrente e afins, e lapidadas para menor atrito (pneus mais finos), melhor aerodinâmica (guidão baixo e curvo), e uma geometria que transmitisse melhor a força do ciclista ao solo, as “speed” assumiram um design específico e que impregnou o imaginário popular ao longo dos anos.

No Brasil, as competições já existiam mesmo antes da segunda guerra mundial, e as bicicletas para esse fim eram raras e caras. 100% delas eram importadas. Esse cenário perduraria até os anos 1970. Com o sucesso de competições famosas, como o Tour de France, Giro D´Itália e o Mundial, além do nascimento de uma vertente do uso de bicicletas voltada para o lazer, criou-se o “clima” certo para o lançamento de speeds para o público em geral.
Poster do Tour de France de 1927, já com o design da speed clássica bem definido, que perduraria com poucas modificações até os anos 90...

A primeira a perceber isso foi a Caloi. Lançaria seu modelo Caloi 10 em 1972. No mesmo ano a Monark, sob royalties, lança a Crescent 10. Eram os dois maiores fabricantes nacionais. O momento era propício e essas bicicletas vendem-se muito bem. A Caloi já tivera modelos cujo aspecto geral lembrava modelos de estrada, como as famosas Balonetes dos anos 50 e 60. A Monark também, com modelos “turismo” aro 26 balão fabricados na década de 60.
Propaganda Caloi de 1979: o aspecto profissional era sucesso entre todas as faixas etárias.

Mas o fato era que tanto Caloi, quanto a Monark, produzem esses modelos que representam uma somatória de fatores em termos estéticos e técnicos que desembocam em bicicletas “passeio – esportivo”. Eram modelos de rua, com aspecto profissional, mas só aspecto. Comparadas com modelos de competição, tanto a Caloi quanto a Monark 10 deviam muito. Mas isso não importava. Para adolescentes sedentos pela bike com cara de profissional, só o design bastava.

Ao longo dos anos as coisas mudam. A Caloi lança modelos semi profissionais e profissionais, mas sabiamente manteve o grafismo geral dos adesivos “Caloi 10”, dando uma idéia de continuidade que elevou em muito o status do modelo 10 normal de rua... 
Julho de 1977, a Caloi usou os mesmos adesivos da linha 10 nos seus modelos profissionais, dando status à toda linha, uma preciosa jogada de marketing.

A Monark seguiu o raciocínio de simplificar um lado e dar aspecto luxuoso de outro. Lançou modelos bem simples e baratos, o que obrigou a Caloi a seguir esta trilha; e lançou modelos com aura de luxuosos, que culminaria na Positron Vogue, com peças banhadas a ouro 18K.
A desconhecida Monark Vogue, 1979, com peças banhadas a ouro, numa tentativa de dar luxo e opulência à linha 10 da Monark.

Em termos de concepção a Caloi tinha geometria mais agressiva (vide desenhos com medidas) e a Monark uma geometria mais voltada para o conforto num passeio. A parte diferenças de cachimbos, gancheiras e garfos, o maior “pênalti” das Monark sempre foi o pé de vela monobloco, padrão sueco. De suposto maior peso e mais sujeito a torções, o fato era que o aspecto não era profissional. Ponto para a Caloi, que arrematou uma legião de fãs com seu pé de vela tripartido com chavetas, também passiveis de críticas, mas...

Diferenças de geometrias facilmente perceptíveis através do exame das medidas dos quadros.

Quem sacou isso foi uma gigante européia que se instalou no Brasil em fins dos anos 1970: a Peugeot. Famosa pelas bicicletas de passeio, balonetes e mesmo as mais profissionais, tendo vencido inúmeros Tour de France e Mundiais, a Peugeot sabia o que estava fazendo. Sua linha 10 marchas viraria o carro chefe da marca no país. Com bons componentes – inclusive o pé de vela em 3 peças – , ótima geometria  e design inspirado nas mais profissionais PX 10, a Peugeot ameaçou a Monark e a Caloi 10 por um curto período. Naufragaria numa errada logística de distribuição.
Propaganda Peugeot - Brasil

Mais fracassada ainda foi a tentativa da nacional Brandani, que produziu um modelo “ CR-10 Sportíssima” que pouco vendeu, apesar da alta qualidade e bons componentes (existiu também a CR-5, com câmbio apenas nas catracas). Por fim sobrariam a Monark e a Caloi até os anos 1990, já com modelos que, de original e remanescente das boas bicicletas dos anos 70, apenas os nomes e os quadros.
Propaganda Brandani 10 de 1978, o mais raro das "10" nacionais...


O legado dessas “speed 10 marchas” brasileiras foi imenso: sonho de consumo de uma geração toda, formou uma leva de ciclistas profissionais, pois muitos, ainda moleques, começaram no lombo destas speeds de passeio; difundiram o ciclismo esportivo, o ciclismo de lazer, e por aí vai. Hoje são cobiçadas pelos colecionadores , ou mesmo usuários normais, que ainda vêem qualidade superiores a muitas bicicletas atuais nestas velhas guerreiras.  

10 dicas...


Recebo muitos contatos de pessoas querendo dicas e informações para comprar a PRIMEIRA bicicleta antiga. Aqui vão 10 dicas que eu acho importantes:

1 – Não seja precipitado. As chances de comprar uma bicicleta que te será muito custosa aumenta muito.

2 – Defina o que você quer. Um dos erros mais comuns de quem “entra” no mundo das bicicletas antigas é comprar uma primeira de um modelo; uma segunda de outro modelo completamente diferente, uma terceira ainda diferente, e assim por diante. Você terá um monte de coisa dispare, não uma coleção, muito menos uma harmonia.

3 – Foco. Há uma infinidade de maneiras de selecionar uma coleção: aro 26, aro 28, infantis, somente modelos de uma marca, somente femininas, somente masculinas, somente modelos da nacionalidade X, somente bicicletas de corrida, etc. Os colecionadores mais satisfeitos sempre têm um foco!

4 – Busque um conhecimento mínimo sobre o que você quer. Saber modelos, ano aproximado de fabricação, cores, acessórios, ajuda muito na hora de fechar um negócio e diminui as chances de ser enganado.

5 – Paciência. É o mesmo papo no item 1, tenha paciência na procura por um modelo que você selecionou, busque o mais completo, mais original e... com um bom preço.

6 – Restaurada ou original? É gosto pessoal, tem gente que só quer original, tem gente que busca beleza numa restaurada. Mesma coisa sobre o “quanto vale”: para uns vale mais uma original (mesmo que bem judiada), para outros uma restaurada brilhando tem mais valor. Defina bem qual mais te agrada neste campo também.

7 – Critério na restauração. Se for restaurar, procure conhecer o restaurador , seja claro no que quer, quais acessórios, quais cores, defina o tempo que está disposto a esperar. Tudo bem combinado será um processo divertido que te impulsionará para outras restaurações. Se for uma etapa lenta demais, custosa demais... te fará desanimar. 

8 – Busque seus semelhantes. Há clubes, grupos pela internet, fóruns, blogs... Nos grupos adquirimos mais conhecimento, há bons negócios, boas dicas, amadurecemos no assunto!

9 – Use sua bicicleta antiga. Bicicletas “de exposição” existem, mas procure usar a máquina, dar sempre uma voltinha pela praça, ouça barulhos, procure corrigir... A relação com a máquina estreita-se e te fará mais completo do que apenas ficar olhando para uma bicicleta linda e... parada.

10 – Cuide para não se tornar um chato! Evite ficar julgando a bicicleta dos outros, ou mostrando seu “imenso” conhecimento sobre o modelo e a marca X. O ambiente é para curtir, não para “rebaixar” os novatos “que não sabem nada”, ou criticar uma bicicleta, afastando o proprietário do círculo, ou até mesmo deste mundo das bicicletas antigas.